sexta-feira, 16 de julho de 2010

A Morte...

A morte é apenas uma mudança de estado, a destruição de
uma forma frágil que não mais fornece à vida as condições
necessárias para seu funcionamento e sua evolução. Para além
do túmulo, uma outra fase da existência se abre. O espírito, sob
sua forma fluídica, imponderável, prepara-se para novas reencarnações
e encontra em seu estado mental os frutos da última
existência que findou.
A vida está por todos os lugares. A natureza inteira nos
mostra, em seu quadro maravilhoso, a renovação perpétua de
todas as coisas. Em parte alguma existe a morte, tal qual, em
geral, é considerada entre nós; em nenhuma parte existe o
aniquilamento. Nenhum ser pode morrer no seu princípio de vida,
na sua unidade consciente. O universo transborda de vida física
e psíquica. Por toda parte está o imenso formigar dos seres, a
elaboração de almas que só escapam das lentas e obscuras
preparações da matéria a fim de prosseguirem, nas etapas da
luz, na sua magnífica ascensão.
A vida do homem é como o sol das regiões polares durante o
verão: desce devagar, baixa, vai enfraquecendo, parece desaparecer
num instante no horizonte. Aparentemente é o fim; mas
logo se eleva para descrever de novo sua imensa órbita no céu.
A morte é apenas um eclipse momentâneo nessa grande revolução
de nossas existências. Mas esse instante é o suficiente
para nos revelar o sentido grave e profundo da vida. A própria
morte pode ter sua nobreza, sua grandeza. Não devemos temê-la,
e sim nos esforçar para embelezá-la, preparando-nos para ela
continuamente pela pesquisa e pela conquista da beleza moral,
a beleza do espírito, que molda o corpo e o orna com um reflexo
sublime na hora das separações supremas. A maneira pela qual cada um sabe morrer já é, por si só, uma indicação do que será,
para cada um de nós, a vida espiritual.
Há como uma luz fria e pura à cabeceira de certos leitos de
morte. Rostos, até aí insignificantes, parecem emoldurar-se por
claridades do além. Um silêncio imponente se faz em volta daqueles
que deixaram a Terra. Os vivos, testemunhas da morte,
sentem grandes e sérios pensamentos desprenderem-se do fundo
banal de suas impressões habituais, dando um pouco de beleza
à sua vida interior. O ódio e as más paixões não resistem a esse
espetáculo. Diante do corpo de um inimigo, toda animosidade é
abrandada, todo desejo de vingança desaparece. À frente de um
caixão, o perdão parece mais fácil, o dever, mais imperioso.
Toda morte é um parto, um renascimento. É a manifestação
de uma vida até então oculta em nós, vida invisível da Terra que
vai reunir-se com a vida invisível do espaço. Após um tempo de
perturbação, voltamos a nos encontrar, do outro lado do túmulo,
na plenitude de nossas faculdades e de nossa consciência,
junto dos seres amados que compartilharam as horas tristes ou
alegres de nossa existência terrestre. O túmulo guarda apenas o
pó. Elevemos mais alto nossos pensamentos e nossas recordações,
se quisermos encontrar de novo o rastro das almas que
nos foram queridas.
Não pergunteis às pedras do sepulcro o segredo da vida.
Ficai sabendo que os ossos e as cinzas que lá permanecem não
são nada. As almas que os animaram deixaram esses lugares e
revivem sob formas mais sutis, mais apuradas. Do seio do invisível,
onde vossas preces as atingem e as comovem, elas vos
seguem com o olhar, vos respondem e vos sorriem. A revelação
espírita ensinará a vos comunicar com elas, a unir vossos sentimentos
num mesmo amor, numa esperança inexprimível.
Muitas vezes, os seres por quem chorais e que ides procurar
no cemitério estão ao vosso lado. Eles voltam e vêm cuidar de
vós, aqueles que foram o amparo de vossa juventude, que vos
embalaram nos braços, os amigos, companheiros de vossas alegrias
e de vossas dores, assim como todas as formas, todos os
meigos fantasmas dos seres que encontrastes no vosso caminho,
que participaram de vossa existência e levaram com eles
alguma coisa de vós mesmos, de vossa alma e de vosso coração.
Ao redor de vós flutua a multidão de homens desaparecidos
na morte, multidão agitada que revive, que vos chama e vos
mostra o caminho a ser percorrido.
Nosso progresso, nossa elevação exigem-no: temos de ficar
livres, mais dia menos dia, do envoltório carnal que, após ter prestado
a função determinada, torna-se impróprio para seguir-nos
em outros planos de nosso destino. Como é que aqueles que
acreditam na existência de uma sabedoria previdente, de um poder
ordenador – qualquer que seja, aliás, a forma que idealizem
para esse poder – podem considerar a morte como mal?
Se ela representa um papel importante na evolução dos seres,
não há de ser uma das fases desejadas por essa evolução,
o pendant * natural do nascimento, um dos elementos essenciais
do plano da vida?
O universo não pode falhar. Seu objetivo é a beleza; seus
meios são a justiça e o amor. Fortifiquemo-nos no pensamento
do futuro sem limites. A confiança em outra vida estimulará nossos
esforços e os tornará mais fecundos. Nenhuma obra elevada
e que exija paciência pode ter êxito sem a certeza do dia
seguinte. A cada vez que, ao nosso redor, a morte, em seu austero
esplendor, distribui seus golpes, torna-se um ensinamento,
um incentivo para trabalharmos e para agirmos melhor, para
aumentarmos constantemente o valor da nossa alma.
Muitas pessoas temem a morte por causa dos sofrimentos
físicos que a acompanham. Sofremos, é verdade, na doença que
acaba na morte, mas também sofremos nas doenças de que nos
curamos. No instante da morte, dizem-nos os espíritos, quase
sempre não há dor. Morre-se como se adormece. Essa opinião
é confirmada por todos aqueles a quem a profissão e o dever
chamam freqüentemente à cabeceira dos moribundos.
Entretanto, se considerarmos a calma, a serenidade de certos
doentes na hora derradeira, e a agitação convulsiva, a agonia de
outros, deve-se reconhecer que as sensações que antecedem a
morte são bastante diversas em relação aos indivíduos. Os
sofrimentos são tanto mais vivos quanto mais numerosos e
fortes são os laços que unem a alma ao corpo. Tudo o que os
pode diminuir, enfraquecer, tornará a separação mais rápida e a
mudança menos dolorosa.
Se a morte é quase sempre isenta de sofrimento para aquele
cuja vida foi nobre e bela, o mesmo não acontece com os sensuais,
os violentos, os criminosos, os suicidas.
Assim que a passagem é feita, uma espécie de perturbação,
de entorpecimento, invade a maior parte de almas que não
souberam se preparar para a partida. Nesse estado, suas faculdades
ficam veladas; só passam a perceber as coisas em meio a um
nevoeiro mais ou menos denso. A duração dessa perturbação varia
de acordo com a natureza e o valor moral delas. Pode ser muito
prolongada para as mais atrasadas e até mesmo durar vários anos.
Depois, pouco a pouco, o nevoeiro vai ficando mais claro; as percepções
se tornam mais nítidas. O espírito recupera sua lucidez;
desperta para a nova vida, a vida do espaço. Instante solene para
ele, mais decisivo, mais formidável que a hora da morte, porque,
de acordo com seu valor e seu grau de pureza, esse despertar
será calmo e delicioso ou cheio de ansiedade e sofrimento.
No estado de perturbação, a alma está consciente dos pensamentos
dirigidos a ela. Os pensamentos de amor, de caridade,
as vibrações dos corações afetuosos brilham para ela como raios
na neblina que a envolve e a ajudam a se separar dos últimos
laços que a prendem à Terra, a sair da sombra em que está imersa.
É por isso que as preces inspiradas pelo coração, ditas com
calor e convicção, especialmente as improvisadas, são fortalecedoras,
benfazejas para o espírito que deixou a vida corporal.
Pelo contrário, as orações vagas, infantis, das Igrejas, muitas
vezes não têm efeito algum. Pronunciadas maquinalmente, não
têm poder vibratório que faz do pensamento às vezes uma força
penetrante e, ao mesmo tempo, uma luz.
O cerimonial religioso em uso geralmente traz pouca ajuda e
conforto aos mortos. A ignorância das condições da sobrevivência
torna os participantes dessas manifestações indiferentes e
distraídos. É quase um escândalo ver a displicência com que se
assiste, em nossa época, a uma cerimônia fúnebre. A atitude
dos assistentes, a falta de recolhimento, as conversas banais
durante o funeral, tudo causa dolorosa impressão. Bem poucos
dos que acompanham o enterro pensam no defunto e sentem
como um dever projetar para ele um pensamento afetuoso.
As preces fervorosas de seus amigos, de seus parentes,
são bem mais eficazes para o espírito do morto do que as manifestações
do culto mais pomposo. Entretanto, não é bom nos entregarmos
desmedidamente à dor da separação. Certamente que
as lamentações da partida são legítimas e as lágrimas sinceras
são sagradas; porém, se essas lamentações são muito exageradas,
entristecem e desanimam aquele a quem são dirigidas e,
muitas vezes, testemunha delas. Em vez de lhe facilitarem o vôo
para o espaço, elas o prendem nos lugares onde sofreram e onde
ainda estão sofrendo aqueles que lhe são caros.
Pergunta-se às vezes o que se deve pensar das mortes prematuras,
das mortes acidentais, das catástrofes que destroem,
de uma só vez, numerosas existências humanas. Como conciliar
esses fatos com a idéia de plano, de previdência, de harmonia
universal? E para os que deixam voluntariamente a vida por um
ato de desespero, o que acontece? Qual é o destino dos suicidas?
As existências interrompidas prematuramente em acidentes
chegaram ao seu fim previsto. São, em geral, complementos de
existências anteriores que foram truncadas por causa de abusos
ou de excessos. Quando, em conseqüência de hábitos desregrados,
gastaram-se os recursos vitais antes da hora marcada pela natureza, deve-se voltar e completar, em uma existência
mais curta, o lapso de tempo que a existência anterior devia ter
normalmente preenchido. Acontece que os seres humanos passíveis
dessa reparação reúnem-se num ponto pela força do destino,
para resgatar numa morte trágica as conseqüências dos atos
que estão relacionados com o passado anterior ao nascimento.
Daí as mortes coletivas, as catástrofes que lançam no mundo
um aviso. Aqueles que partem assim acabaram o tempo que
tinham de viver e vão se preparar para existências melhores.
Quanto aos suicidas, a perturbação em que se encontram
mergulhados após a morte é profunda, terrível, dolorosa. A angústia
os oprime e os segue até sua reencarnação seguinte. Seu
gesto criminoso causa ao corpo fluídico, o perispírito, um abalo
violento e prolongado, que será transmitido ao organismo carnal
no renascimento. A maior parte deles volta enferma à Terra. Estando
a vida no suicida em toda a sua força, o ato brutal que a
despedaça produzirá longas repercussões em seu estado
vibratório e determinará doenças ou desequilíbrios nervosos em
suas futuras vidas terrestres.
O suicida procura o nada e o esquecimento de todas as coisas,
mas se defronta, ao contrário, em face de sua consciência,
na qual permanece gravada, para todo o sempre, a lembrança
lastimável de ter fugido do combate da vida. A prova mais dura, o
sofrimento mais cruel que haja na Terra, é preferível a essa perpétua
mancha da alma, à vergonha de não poder mais se prezar.
A destruição violenta de recursos físicos que ainda lhe poderiam
ser úteis e até mesmo fecundos não livra o suicida das provas de
que quis fugir, porque ele terá que reatar a cadeia quebrada de
suas existências e tornar a passar pela série inevitável das provas,
agravadas por atos e conseqüências que ele mesmo causou.
Os motivos do suicídio são de ordem passageira e humana;
as razões de viver são de ordem eterna e sobre-humana. A vida,
resultado de todo um passado, instrumento do futuro, é, para cada
um de nós, o que ela deve ser na balança infalível do destino.
Aceitemos com coragem a sucessão dos fatos, que são outros
tantos remédios para nossas imperfeições, e saibamos esperar
com paciência a hora fixada pela lei justa para o encerramento
de nossa permanência na Terra.
O conhecimento que pudemos adquirir das condições da vida
futura exerce uma grande influência sobre nossos últimos momentos.
Ele nos dá mais segurança; abrevia a separação da alma.
Para se preparar utilmente para a vida
do além, é preciso não apenas estar
convencido de sua realidade, mas também
compreender suas leis, ver com o
pensamento as vantagens e as conseqüências
de nossos esforços para o
ideal moral. Nossos estudos psíquicos,
as relações estabelecidas durante a
vida com o mundo invisível, nossas
aspirações a modos de existência mais
elevados desenvolvem nossas faculdades
adormecidas e, quando chega a
hora definitiva, estando a separação corporal já em parte efetuada,
a perturbação tem pouca duração. O espírito se reconhece
rapidamente; tudo o que vê lhe é familiar; adapta-se sem esforço
e sem emoção às condições de seu novo meio.
Quando se aproxima a hora derradeira, os moribundos
muitas vezes entram em posse de seus sentidos psíquicos
e percebem os seres e as coisas do invisível.

LÉON DENIS. Trecho do livro O Problema do Ser, do Destino e da Dor. 

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