Parte Terceira
Das leis morais
CAPÍTULO XII
DA PERFEIÇÃO MORAL
Conhecimento de si mesmo
919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se
melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?
“Um sábio da antigüidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”
a) - Conhecemos toda a sabedoria desta máxima, porém a
dificuldade está precisamente em cada um conhecer-se a si mesmo.
Qual o meio de consegui-lo?
“Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia,
interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e
perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém
tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me
conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma. Aquele que, todas
as noites, evocasse todas as ações que praticara durante o dia e
inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que houvera feito, rogando a
Deus e ao seu anjo de guarda que o esclarecessem, grande força
adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria.
Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que
tendes feito e com que objetivo procedestes em tal ou tal
circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem,
censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis
confessar. Perguntai ainda mais: “Se aprouvesse a Deus chamar-me
neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo
no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?”
“Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o
vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos
darão, ou o descanso para a vossa consciência, ou a indicação de
um mal que precise ser curado.
“O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso
individual. Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo?
Não está aí a ilusão do amor-próprio para atenuar as faltas e
torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e
previdente; o orgulhosos julga que em si só há dignidade. Isto é
muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode
iludir-vos. Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de
vossas ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por
outra pessoa. Se a censurais noutrem, não na poderia ter por
legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus não usa de duas
medidas na aplicação de Sua justiça. Procurai também saber o que
dela pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião dos
vossos inimigos, porquanto esses nenhum interesse têm em mascarar a
verdade e Deus muitas vezes os coloca a vosso lado como um espelho, a
fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um
amigo. Perscrute, conseguintemente, a sua consciência aquele que se
sinta possuído do desejo sério de melhorar-se, a fim de extirpar de
si os maus pendores, como do seu jardim arranca as ervas daninhas; dê
balanço no seu dia moral para, a exemplo do comerciante, avaliar
suas perdas e seus lucros e eu vos asseguro que a conta destes será
mais avultada que a daquelas. Se puder dizer que foi bom o seu dia,
poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra
vida.
“Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e
precisas e não temais multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns
minutos para conquistar uma felicidade eterna. Não trabalhais todos
os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na
velhice? Não constitui esse repouso o objeto de todos os vossos
desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e privações
temporárias? Pois bem! Que é esse descanso de alguns dias, turbado
sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que espera
o homem de bem? Não valerá este outro a pena de alguns esforços?
Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente e incerto o
futuro. Ora, esta exatamente a idéia que estamos encarregados de
eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais
esse futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma. Por
isso foi que primeiro chamamos a vossa atenção por meio de
fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que agora vos damos
instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar.
Com este objetivo é que ditamos O Livro dos Espíritos.”
SANTO AGOSTINHO.
Nota: Muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se,
efetivamente, seguindo o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos
mais amiúde a nossa consciência, veríamos quantas vezes falimos
sem que o suspeitemos, unicamente por não perscrutarmos a natureza e
o móvel dos nossos atos.
A forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que
qualquer máxima, que muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos.
Aquela exige respostas categóricas, por um sim ou não, que não
abrem lugar para qualquer alternativa e que são outros tantos
argumentos pessoais. E, pela soma que derem as respostas, poderemos
computar a soma de bem ou de mal que existe em nós.